Com a regulamentação das apostas no Brasil, termos como jogo responsável, autoexclusão e limites de depósito passaram a fazer parte do discurso oficial das casas de apostas. Mas, na prática, surge uma dúvida central: as casas realmente ajudam o jogador que está desenvolvendo um comportamento compulsivo?
Em entrevista ao Clube da Aposta, o psicólogo especializado em ludopatia Rafael Ávila explica como esse suporte funciona hoje, quais são as falhas do sistema atual e por que, muitas vezes, tudo ainda depende da “boa vontade” do operador.
A regulamentação exige acompanhamento
Segundo Rafael, a legislação brasileira passou a exigir que as casas de apostas acompanhem o comportamento dos usuários e realizem intervenções em casos de risco. O problema é que a lei faz isso de forma genérica demais.
“A regulamentação trouxe a obrigação de acompanhamento e intervenção, mas deixou isso muito vago. Cada casa define sua própria política de jogo responsável”, explica.
Na prática, isso significa que:
- cada operadora decide o que considera comportamento compulsivo
- cada uma escolhe quando intervir
- e como intervir
Ou seja, não existe hoje um padrão único e obrigatório.
As casas conseguem identificar comportamento compulsivo?
Sim. E esse é um ponto importante.
As casas de apostas têm total capacidade técnica para identificar padrões de risco. Afinal, elas já fazem isso quando:
- detectam jogadores lucrativos
- aplicam limites ou restrições
- monitoram volume, frequência e padrão de apostas
“Se a casa consegue identificar um apostador vencedor para limitar, ela também consegue identificar um padrão de compulsão”, afirma Rafael.
O problema não é a falta de tecnologia — é a falta de obrigação clara de agir.
Casos extremos passam sem nenhum alerta
Rafael relata situações alarmantes que chegam ao consultório.
“Já recebi pacientes que perderam R$ 700 mil ou R$ 1 milhão em um único dia, fazendo depósitos de R$ 1.000 em sequência, durante horas.”
Esse padrão é considerado gravíssimo do ponto de vista clínico:
- depósitos repetidos
- valores fracionados
- curto intervalo de tempo
- ausência de pausa ou reflexão
Mesmo assim, em muitos desses casos, nenhuma notificação foi enviada ao jogador.
“Se fosse apenas uma pessoa muito rica, ela teria depositado um valor alto de uma vez. Esse padrão mostra claramente compulsão”, explica.
Ferramentas existem — mas dependem do jogador
Hoje, praticamente todas as casas oferecem:
- autoexclusão
- limites de depósito
- limites de tempo
- alertas de jogo responsável
O problema é que essas ferramentas são reativas, não preventivas.
“Se o jogador não ativa, a casa muitas vezes não faz nada”, resume Rafael.
Isso cria um cenário perigoso: justamente quem está em compulsão — e perdeu o controle — é quem menos consegue usar essas ferramentas por conta própria.
Tudo depende da política interna da casa
Rafael destaca que existem operadores sérios, especialmente grandes empresas internacionais, que já trazem estruturas robustas de compliance e jogo responsável.
“Algumas casas fazem intervenções, pedem orientação, treinam equipes. Mas outras deixam passar 99 casos e intervêm em 1.”
Quando a decisão fica totalmente nas mãos do operador, o sistema se torna desigual:
- casas sérias atuam
- casas irresponsáveis se aproveitam das brechas
“Quando você deixa tudo na boa vontade do operador, você também convida maus operadores para o ecossistema”, alerta.
Espanha mostra um caminho diferente
Rafael cita a Espanha como um exemplo importante.
A partir de 2025, o país passou a adotar uma política nacional de jogo responsável, definida pelo setor de saúde do governo — e não pelas casas.
Isso significa:
- critérios únicos para identificar compulsão
- mesmas regras para todos os operadores
- intervenções padronizadas
- menos margem para omissão
“Ali, não depende da política da casa. É uma política de Estado”, explica.
O cenário brasileiro hoje
No Brasil, o que existe atualmente é:
- uma lei que prevê acompanhamento
- mas não define critérios claros
- nem quando, nem como agir
Resultado:
👉 cada casa faz do seu jeito.
“Existe a lei, mas ela tem muitas brechas. E isso faz com que o suporte ao jogador dependa mais da ética da empresa do que de uma obrigação real”, conclui Rafael.
Conclusão
As casas de apostas podem ajudar jogadores com comportamento compulsivo. Algumas ajudam de fato. Outras não fazem praticamente nada.
Enquanto não houver critérios claros, padronizados e fiscalizados, o suporte ao jogador continuará sendo desigual — e muitos casos graves seguirão sem qualquer intervenção.
O debate sobre jogo responsável não é apenas sobre ferramentas, mas sobre responsabilidade ativa, transparência e limites bem definidos.
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🔞 Jogue com responsabilidade
Perguntas frequentes sobre o suporte das casas aos apostadores com vício
As casas de apostas conseguem identificar jogadores com comportamento compulsivo?
Sim. As casas possuem tecnologia suficiente para identificar padrões de risco, como depósitos repetidos, valores fracionados em curto espaço de tempo e sessões prolongadas. O problema não é técnico, mas sim a forma como cada operadora decide agir diante desses sinais.
A lei obriga as casas de apostas a ajudarem jogadores viciados?
A regulamentação brasileira exige acompanhamento e intervenção, mas de forma vaga. A lei não define critérios claros nem estabelece quando e como a casa deve agir, deixando a decisão nas mãos de cada operadora.
Autoexclusão e limite de depósito são suficientes para proteger o jogador?
Não necessariamente. Essas ferramentas dependem da iniciativa do próprio jogador — justamente quando ele já perdeu o controle. Em casos de compulsão, o ideal seria uma intervenção ativa da casa, e não apenas ferramentas opcionais.
Existem casas de apostas que realmente fazem esse acompanhamento?
Sim. Segundo Rafael Ávila, algumas casas — especialmente grandes operadores internacionais — possuem políticas mais robustas de jogo responsável e fazem intervenções reais. Porém, outras ignoram padrões evidentes de risco.




