Muitas vezes, mais importante do que dominar as técnicas de trading é dominar a nossa própria mente. Saber a hora de parar, entender o que nos deixa em estado de choque e que nos faz tomar decisões ruins, gerenciar perdas e ganhos. Tudo isso faz parte do dia a dia do trader e devemos dar ao fator psicológico a devida importância. Pensando nisso, vamos trazer nesse artigo que fala sobre a Cognição e o trading esportivo um relato de um dos alunos do curso avançado aqui do Clube, que se chama Thiago Sant’anna. O Thiago é psicólogo e vai nos ajudar a entender melhor a como tomar ações para treinar o nosso cérebro e como reagir às mais diversas situações que cercam a profissão de trader esportivo. Começa agora uma série de artigos sobre o assunto. Aproveite =)
Tomando decisões no trading esportivo
Por Thiago Sant’anna
Durante muitos anos a maior parte das pesquisas em ciências humanas usaram como paradigma o “homem econômico”, ou seja, o ser humano interagindo com seu ambiente como um processador de informações que buscava maximizar seu bem estar, fazendo escolhas racionais.
Apesar de ser claro que esta busca por maximização do bem estar não explica boa parte da ação humana, as atitudes que não direcionadas à dita “melhor escolha” ou, ainda, as atitudes que poderiam ser consideradas autodestrutivas, foram consideradas erros na tomada de decisão, insuficiência de informações ou, no limite, patologias.
Diversos pensadores abordaram essas decisões “irracionais” ou “erradas” a partir de outros pontos de vista, mas a primeira resposta sistematicamente robusta e que alterou de forma definitiva a análise da tomada de decisão humana e a forma como nós gerenciamos nossos riscos cotidianos foi dada por Daniel Kahneman, psicólogo vencedor do prêmio Nobel de Economia em 2002. Buscarei demonstrar essa resposta de maneira simples, tornando o link com nossa rotina de trading/punting algo bastante intuitivo.
É praticamente impossível termos acesso a todas as informações necessárias para tomarmos as melhores decisões em cada situação que nos encontremos, até porque nem sempre elas estão disponíveis. Além disso, se tivéssemos que processar toda informação bombardeada pelo ambiente, isto demandaria tanto dos nossos recursos físicos que provavelmente teríamos uma síncope. A boa notícia é que nosso cérebro já solucionou isso, e você pode, através de auto-treinamento, incrementar essas soluções.
Heurísticas e vieses
O que Kahneman e outros mostraram (a internet está cheia de vídeos sobre o assunto, alguns TEDs bem legais, vale a busca) é que tomamos decisões através de heurísticas e vieses. Heurísticas são atalhos mentais que nos permitem focar em poucos (ou mesmo um único) aspectos de um problema complexo, ignorando outros. De modo geral, são regras simples e eficientes para boas tomadas de decisão em determinados contextos, alimentadas por experiência em situações semelhantes anteriores vividas por nós ou por outras pessoas. Muitas vezes elas governam de forma automática (intuitiva) nossos julgamentos, o que é absolutamente importante para um cotidiano saudável do ponto de vista mental.
Infelizmente, não é incomum observar alguns desses “atalhos mentais” levando a decisões e atitudes nocivas para o próprio agente ou para outros com quem ele interage. Nós todos temos nossos vieses cognitivos, ou seja, padrões de desvios na interpretação de contextos que muitas vezes levam a uma distorção perceptual viciada. O viés cognitivo ocorre quando não damos um limite à heurística. Por ser um comportamento automático, acabamos não percebendo que estamos interpretando um contexto de forma enviesada, levando a erros sistemáticos de julgamento, mesmo quando as evidências sinalizam que estamos em um mau caminho. Vários tipos de heurísticas e vieses já foram identificados, então, se você se interessar por se aprofundar no tema, há vasto material de livre acesso na internet. Minha dica se fizer isso é: quando estiver lendo os tipos de vieses já identificados, não fique apenas julgando seu amigo que não consegue escapar de determinada armadilha no amor, ou de certas crenças políticas. Fuja desse viés que alivia sua barra em detrimento dos outros e observe os seus próprios padrões comportamentais!
Da teoria à prática em uma situação real
Um exemplo pessoal, para ilustrar, pode ajudar. Por questões de horário, tenho dificuldade de fazer trading em alguns jogos de futebol interessantes. Então resolvi experimentar a NBA, pois é um liga que eu sempre assisto, são muitos jogos na temporada, jogos praticamente todo dia e muita movimentação nas odds. Os dois primeiros jogos foram muito bons pra mim do ponto de vista percentual (10% da stake), mas o que eu não percebi naquela altura é que eu ainda não tinha criado heurísticas robustas baseadas em experiência (apenas dois jogos completos) nem tinha estudado técnica nenhuma (técnicas são heurísticas de outras pessoas, bastante experimentadas, que são passadas para nós através de aula, observação, etc.). Mais como tinha ido bem, assumi que era um mercado simples e que eu já tinha pegado o jeito da coisa na NBA. Viés de confirmação fortíssimo (leia-se: tendência em preferir informações que confirme suas crenças e hipóteses, independente de outras informações que mostrem o contrário). Eu provavelmente cometi várias falhas que o green final jogou para baixo do tapete ou, pior, julguei que algumas ações erradas eram certas, baseado exclusivamente no resultado final. Escrever isso hoje dá até um pouco de vergonha, mas fui pro meu terceiro jogo com uma stake ALTA (pros meus padrões atuais) e, pior, em um jogo do meu time, Boston Celtics.
(Eu realmente torço pelo Celtics, não é tipo “ainh meu Leicester, sempre joguei com ele no Fifa”, eu vibro com esse time desde a primeira apresentação de gala que eu vi de Rondo-Garnett-Pierce-Allen. E, spoiler, isso foi minha ruína nesse trading)
Eu já comecei entrando mal no mercado. Na NBA saber ler o gráfico é muito importante, saber prever as odds e entender a diferença no grau de variação de acordo com o período do jogo pode ser a diferença entre um bom green e um red severo. Deixando, inconscientemente, minha torcida pelo Boston influenciar na minha tomada de decisão, entrei em back ao Celtics em uma odd baixa demais, em um momento que eles estavam pouco na frente de um jogo em que não eram favoritos (não eram uma zebraça, mas eram menos cotados). Alguns sinais me sugeriram que a diferença ia se ampliar mas, no começo de jogo de basquete, pela sua própria natureza em relação a pontuação e viradas de placar, uma odd baixa (em relação ao gráfico) é praticamente uma odd de resistência. Ou seja, a odd do Celtics ficou abaixo de sua média durante algumas jogadas, mas sempre acima da odd que eu tinha entrado. Mas isso eu estou falando agora. Naquele momento, por estar enviesado, não aceitei esse red para sair e fazer uma reentrada melhor no mercado. Esperei o Celtics ampliar a diferença e sair com green, eu tinha certeza que aconteceria.
Mas o que aconteceu foi o Boston amassando o aro de tanto errar e o adversário, que já era favorito, botando bola de tudo quanto é lugar da quadra.
O que podemos concluir
E aí vem o viés coletivo facilmente observável em um trading. Quando a zebra está indo bem no começo, ninguém liga muito. A odd fica lá, naquele marasmo. Porém, quando o favorito mete o pé na porta e mostra a que veio, a odd dele vai no chão e a da zebra vai na Lua. Aliás, essa é a força do spoofing. Um coisa ruim cheio do dinheiro manipula, na verdade, a mente dos traders esportivos. É um viés chamado por alguns especialistas de “efeito adesão”, e todo mundo já viu isso de perto, mas deixa para outro artigo. De qualquer forma, a odd ficou obviamente injusta. Uma diferença de 10 a 15 pontos no começo do segundo quarto é perfeitamente recuperável, mas o mercado não pensava assim, apenas eu e meu red já imenso e desesperador.
E aí o que eu fiz foi completamente imbecil e irracional: eu aumentei aposta no Celtics. Percebam vocês que eu fiz tudo isso ali, na hora, de forma intempestiva, baseado em informações aleatórias que o geeks toy joga na nossa cara e eu ainda não tinha as heurísticas necessárias para filtrar. Minha ideia era que a odd do Celtics tenderia a voltar para pelo menos algo próximo de sua média. Então, aumentando o back a eles, o corte red/green ficaria mais alto, aumentando minhas chances. Hoje eu me pergunto: chance de que? Eu estava mais preocupado em fechar um jogo em green, nem que fosse de centavos, do que em reduzir um prejuízo que já era real. Totalmente errado. Duas horas e meia de dor, sofrimento e caos depois, estava eu lá com a banca quebrada. Nem chorar eu conseguia.
E o importante é que eu já meio que sabia onde tinha errado logo depois do jogo. E cometi erros que eu já sabia antes do jogo que não deveria cometer (aumentar uma steak, arriscando a banca para evitar prejuízo, por exemplo). Ou seja, eu traí minhas próprias regras. Meu pensamento era calmo, correto e cristalino antes e depois do jogo, mas durante eu simplesmente errei. E é claro que essa não foi a única vez. Cometo erros repetidos, atitudes que eu sei que são erradas quando não estou fazendo o trading, mas que, na hora, acontecem. Daí a importância de conhecer determinadas heurísticas e deliberadamente treinar-se para colocá-las em prática enquanto estratégias mentais no trabalho com apostas esportivas. Esse treino permitirá que você filtre melhor as informações disponíveis e tome as melhores decisões de forma quase automática, evitando se deixar levar pela emoção, pela autoconfiança exacerbada, pelo desespero e por outros vieses.
Eu vejo o trading esportivo como um “esporte da mente”, como estão chamando hoje em dia o pôquer. Assim, boa parte da nossa preparação para que façamos um bom jogo vem de treinarmos a mente. Poucos são os que já têm naturalmente boas habilidades mentais específicas para o trading, e mesmo esses podem melhorar ainda mais. É essa colaboração que espero dar: enquanto os atletas tem o seu preparador físico, nós apostadores precisamos de preparação mental.
O que vem por aí
Esse artigo é uma introdução. Vamos trazer para o Clube que tipos de heurísticas – por exemplo a ancoragem – podem ser treinadas, como treiná-las, como criar hábitos positivos para um trading saudável e seguro, os serviços que as casas de apostas e as bolsas esportivas oferecem para quem se vê viciado em apostas, como lidar com red, como não levar as derrotas para seus relacionamentos familiares – “toda frustação leva a uma agressão” -, o que é dissonância cognitiva e como ela afeta o trading etc. Os materiais que tratarão deste assunto serão supervisionados e/ou escritos por profissionais da área pois acreditamos que assim traremos pra cá algo realmente relevante.
Aguardamos os comentários e em caso de sugestões ou dúvidas que venham a ter, entrem em contato com a gente :D
Fator psicológico e técnica de mãos dadas
Como soprado aos 7 ventos e em diversos cursos bastante duvidosos, não somente de “mindset” vive o apostador. Imagine-se como um lenhador. De pouco adianta ter o “mindset” perfeito de um lenhador que possui a mais profunda crença de que irá abater a árvore com maestria, se ao dar a primeira machadada, ao invés de bater com a lâmina, bate-se com o cabo! O fator psicológico e técnica devem estar em equilíbrio e nós podemos te dar uma mãozinha com isso. Confira o nosso curso avançado: